
Interdição e a Linha Tênue Entre a Liberdade e a Loucura: Até Onde Vai a Capacidade Civil?
Em que momento a autonomia de alguém precisa ser limitada em prol da própria segurança — e também da coletividade?
Priscila Tostes
5/22/20253 min read


Nas últimas semanas, um tema curioso — e, confesso, bastante inquietante — tomou conta das redes sociais: os casos envolvendo adultos que tratam bonecas, os chamados bebês reborn, como se fossem filhos de verdade. E não estou falando de um simples hobby ou coleção. Estou falando de situações que beiram o absurdo: “mãe” levando “filho” reborn para atendimento médico no SUS e, pasmem, até casal brigando judicialmente pela guarda da boneca.
Pois é… Quando você acha que já viu de tudo, a vida (ou a sociedade) vem e te surpreende.
Esse cenário escancara uma reflexão que, embora pareça caricata, é extremamente séria do ponto de vista jurídico: em que momento a autonomia de alguém precisa ser limitada em prol da própria segurança — e também da coletividade?
O que é interdição?
A interdição é uma medida judicial aplicada a pessoas que, por algum motivo, não possuem discernimento suficiente para gerir os atos da vida civil. É um instrumento de proteção que visa resguardar tanto a pessoa que será interditada, que pode se colocar em situações de risco, quanto terceiros, que podem ser prejudicados pelos atos de alguém sem plena capacidade.
A ausência de discernimento tem limite?
Sim, e é aí que a coisa aperta. O Direito sempre busca equilibrar dois princípios:
a autonomia — ou seja, a liberdade de cada um viver a própria vida, tomar suas decisões, fazer suas escolhas, por mais peculiares que sejam; e a proteção — quando aquela pessoa não consegue mais discernir o certo do errado, o real do imaginário, o que compromete não só sua própria vida, mas também a dos outros.
No caso dos pais de bebês reborn, a princípio, poderia parecer apenas uma excentricidade, um hobby. Entretanto, quando essa fantasia ultrapassa certos limites — como ocupar o sistema público de saúde ou o Poder Judiciário para discutir guarda de um objeto inanimado — o debate deixa de ser meramente social ou moral e passa a ser jurídico.
E os prejuízos causados a terceiros?
Aqui mora o grande problema, uma coisa é a pessoa, em sua vida privada, escolher viver uma fantasia inofensiva. Outra bem diferente é quando essa ausência de discernimento começa a gerar impactos na coletividade.
O caso da mãe que buscou atendimento médico para a boneca, ocupando vaga no SUS, e o caso do casal que disputa a guarda judicial de um boneco são exemplos claros de como essa linha se rompe.
O Sistema Único de Saúde não da conta de atender seres humanos, quem dirá bonecos! E o que falar do poder judiciário? Os processos não andam, a demanda é enorme! E ainda assim, diante da situação em que se encontra a saúde e o judiciário, é justo que mais tempo e recursos públicos sejam desperdiçados com a loucura - sim, loucura, não há como classificar de outra forma - dessas pessoas?
O Estado deve intervir?
Eis o questionamento que deixo a você, caro leitor: até onde vai o limite da liberdade individual?
Quando é que o Estado, por meio da Justiça, deve intervir e, se for o caso, decretar a interdição civil de alguém que demonstra não ter mais capacidade plena para gerir sua própria vida?
Esse debate, inclusive, já chegou ao Legislativo. Existe um projeto de lei, de autoria de um deputado estadual de Minas Gerais, que prevê multa para quem acionar serviços públicos para atendimento de bonecas reborn — justamente para coibir esse tipo de desvio.
O problema pode até soar cômico à primeira vista, mas, sob o olhar jurídico, trata-se de uma questão bastante séria: o exercício da capacidade civil exige discernimento. E onde não há discernimento, o direito precisa atuar.
Conclusão
A liberdade é preciosa, mas ela tem limites. Quando a falta de noção — ou de sanidade — começa a gerar prejuízos concretos, seja para a própria pessoa ou para a sociedade, surge sim a possibilidade (e a necessidade) de se discutir sua capacidade civil.
